A Praia dos Naufragados, localizada no extremo sul da Ilha de Santa Catarina, é uma das belíssimas praias da ilha acessadas apenas por trilha ou barco. Uma das caminhadas mais clássicas da região. Ela oferece não apenas a oportunidade de explorar uma paisagem exuberante de Mata Atlântica, mas também um mergulho profundo na história que cerca a Praia dos Naufragados, o Forte Marechal Moura e a Ilha de Araçatuba.
As trilhas:
A trilha para Naufragados tem aproximadamente 3 km de extensão, do estacionamento até a praia e começa na Caieira da Barra do Sul, um bairro tradicionalmente de pescadores e que remonta às antigas comunidades açorianas que se instalaram na ilha no século XVIII. O que hoje temos como trilha, na verdade é um caminho secular utilizado pelos povos que vivem e viveram ali. São 35 km de distância a partir da região Central de Florianópolis, normalmente reservamos uma hora para este deslocamento.
No local de início da trilha há estacionamentos, costumamos deixar no último (ver foto) fica bem na área grande que serve para a manobra do ônibus. O valor por carro estava R$30,00 em fevereiro de 2024.
A trilha começa com uma subida forte e essa é a maior dificuldade do trajeto. Logo nos primeiros metros, já é possível sentir a mudança no ambiente: o ar parece mais fresco, e o som dos pássaros cria uma trilha sonora única.
Ao final da subida você pode decidir o caminho a seguir. Existem dois trajetos, um que leva diretamente até a praia, o caminho principal, e outro que leva ao Forte Marechal Moura. A encruzilhada fica aproximadamente após os primeiros 800 metros de caminhada. O percurso é de dificuldade moderada, levando em torno de 45 minutos a uma hora para ser completado, dependendo do ritmo e das paradas para contemplar a paisagem.
Se você decidiu ir direto para a praia, irá passar por um lindo riacho, que convida para um banho. Neste local é possível encontrar as ruínas dos Engenhos da Cachoeira e do Fabriciano, antigos engenhos de açúcar e mandioca que remontam ao século XVIII.
Ao se aproximar do final da trilha, o som do mar se torna mais presente, anunciando a proximidade da Praia dos Naufragados, que surge como uma recompensa visual. A vista se abre para uma praia de areia clara, cercada por costões e banhada por um mar azul. É um daqueles lugares onde a natureza parece estar em perfeita harmonia.
Nossa escolha normalmente é seguir primeiro para o forte, descer para a praia e retornar pelo caminho principal. Este trajeto fica com o total aproximado de 6 km. É necessário estar atento no trecho entre o forte e a praia. Uma descida mais íngreme e com bastante areão solto.
Há outra trilha que se inicia na Solidão, mas esse é um assunto para outro blog.
A Origem do Nome "Praia dos Naufragados"
O nome "Naufragados" tem suas raízes em um trágico episódio da história local. Em 1753, uma frota de três navios portugueses se dirigia ao Rio Grande do Sul para reforçar as colônias na região sul do Brasil quando foi surpreendida por uma forte tempestade e acabou afundando próximo à costa da atual Praia de Naufragados. Embora muitas vidas tenham sido perdidas, alguns sobreviventes conseguiram chegar à terra firme..
Essa história de naufrágio não é isolada desta região da costa catarinense, onde vários incidentes semelhantes ocorreram ao longo dos séculos, mas o episódio de 1753 se destacou pela grande quantidade de vítimas e deu nome à praia. Até hoje, as águas agitadas e as correntes traiçoeiras dessa região lembram os visitantes da vulnerabilidade dos antigos navegadores.
Farol de Naufragados
Além da beleza natural e da história que envolve a Trilha de Naufragados, um dos elementos mais icônicos dessa região é o Farol de Naufragados, que se ergue imponente no extremo sul da Ilha de Santa Catarina. Inaugurado em 1861, o farol foi construído para auxiliar na navegação, prevenindo novos naufrágios, como os que haviam ocorrido anteriormente.
O farol é composto por uma torre cilíndrica de alvenaria com pastilhas brancas, com um topo onde o equipamento de iluminação está abrigado. A luz emitida por ele é visível a aproximadamente dezoito quilômetros de distância e, ao longo dos anos, se tornou um símbolo de segurança para pescadores e marinheiros que navegam na costa.
Durante sua história, o farol passou por diversas modernizações, adaptando-se às novas tecnologias, mas sempre mantendo sua função primordial de guiar embarcações. Apesar de estar sob a jurisdição da marinha, encontra-se atualmente sem manutenção. Está constantemente fechado e não é possível acessá-lo.
Forte Marechal Moura: Defesa e Patrimônio Histórico
No canto direito da Praia dos Naufragados, ergue-se o Forte Marechal Moura, uma construção de grande valor histórico, que remonta ao início do século XX. Nesta época, das fortalezas coloniais, somente a de Santa Cruz de Anhatomirim ainda tinha alguma serventia militar, as demais ou estavam abandonadas ou destinadas a outros usos.
Desta forma, o governo brasileiro decidiu que seria importante fortalecer a região litorânea e, em Santa Catarina, construiu duas fortificações. O Forte Marechal Moura, no extremo sul da Ilha de Santa Catarina, construído entre 1909 e 1913 e a Fortaleza Marechal Luz, em São Francisco do Sul.
O Forte Marechal Moura era uma peça-chave na defesa do território brasileiro. Sua localização estratégica permitia que os canhões instalados ali tivessem uma visão privilegiada da entrada da Baía Sul. Nele foram instalados três canhões Vickers Armstrong Mk XIX, de calibre 6 polegadas, produzidos na Inglaterra no final do século XIX.
Apesar de nunca ter atuado em uma batalha, militares que trabalharam no forte na segunda guerra mundial contam que naquela época eram instruídos a manterem-se atentos para identificar movimentações de submarinos alemães que rondavam a região e que deviam manter os canhões sempre prontos para a batalha.
Finda a segunda grande guerra, aos poucos o forte foi sendo abandonado e está em ruínas, mas suas paredes de pedra e os restos dos antigos canhões ainda contam a história de um tempo em que a segurança da ilha dependia dessas estruturas. As ruínas estão abertas para visitação, e o local oferece uma vista panorâmica impressionante do Farol, das ilhas de Araçatuba e dos Papagaios e das praias continentais.
Ilha de Araçatuba e a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição
À vista da Praia dos Naufragados, a Ilha de Araçatuba se destaca por sua forma peculiar e pelo importante papel que desempenhou na defesa do litoral catarinense. A ilha abriga as ruínas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, construída em 1742 com o intuito de proteger a entrada da Baía Sul.
Essa fortaleza fez parte do projeto de defesa da antiga Desterro, juntamente com diversas outras fortalezas. Mas todo esse conjunto não foi suficiente para impedir a tomada da Ilha de Santa Catarina pelos espanhóis em 1777, que ocorreu a partir do norte, em Canasvieiras.
Do alto do Forte Marechal Moura é possível ter uma vista panorâmica da Ilha e da Fortaleza de Araçatuba, bem como da Ponta dos Papagaios, Praias do Sonho e da Pinheira. Uma verdadeira viagem no tempo.
Inscrições Rupestres
No costão leste encontram-se diversas oficinas líticas. Bacias de polimento e brunidores que remontam a época onde os primeiros habitantes da ilha fabricavam suas ferramentas. Um sítio arqueológico a céu aberto que nos faz imaginar o que conversavam, quais ferramentas construíram e com qual objetivo, há mais de cinco mil anos atrás.
Áreas de preservação
A região de Naufragados é cercada por áreas de preservação que visam proteger sua rica biodiversidade e os ecossistemas da Mata Atlântica. A principal delas é a Área de Proteção Ambiental do Entorno Costeiro, que inclui a faixa litorânea e as encostas cobertas por vegetação nativa. Além disso, Naufragados faz parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, a maior unidade de conservação de Santa Catarina, que protege habitats essenciais para a fauna e flora locais, incluindo espécies ameaçadas de extinção. O início da caminhada ainda ocorre na área de outra importante unidade de conservação, o Monumento Natural Municipal da Lagoa do Peri.
Conflito
A praia dos Naufragados é palco de um conflito entre os moradores de Naufragados e o Ministério Público de Santa Catarina, que gira em torno de questões relacionadas à ocupação da área e à preservação ambiental. Os moradores, muitos dos quais vivem na região há gerações, defendem o direito à permanência e argumentam que suas atividades são sustentáveis e fundamentais para a economia local. Por outro lado, o Ministério Público tem levantado preocupações sobre a legalidade das construções e a necessidade de proteger as áreas de preservação permanente, em conformidade com a legislação ambiental. O impasse reflete a complexidade de equilibrar desenvolvimento local e proteção ambiental, e ainda está em busca de soluções que considerem tanto a preservação do meio ambiente quanto os direitos das comunidades tradicionais.
Turismo Consciente e Sustentabilidade
A Trilha de Naufragados e seus arredores não são apenas um destino de aventura e história, mas também um exemplo de como o turismo pode ser sustentável e consciente. A caminhada, por estar situada em uma unidade de conservação, requer cuidado e respeito por parte dos visitantes.
Além disso, a comunidade local, composta principalmente por pescadores e pequenos comerciantes, se beneficia diretamente do turismo. Ao consumir produtos e serviços locais, como a compra de artesanatos ou refeições no local, os visitantes ajudam a fortalecer a economia local e a manter viva a cultura tradicional.
A Trilha de Naufragados é muito mais do que uma simples caminhada por uma praia isolada. É uma jornada que mistura aventura, história e beleza natural, proporcionando aos visitantes uma experiência rica e memorável. Desde os primeiros habitantes, passando pelos naufrágios que deram nome à praia, até as ruínas dos fortes que protegiam a ilha, cada elemento dessa trilha conta uma parte importante da história de Santa Catarina. Para quem busca uma conexão profunda com a natureza e um resgate cultural, a Trilha de Naufragados é um destino imperdível no sul da ilha.
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